quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Motivação em excesso pode acabar em vício e fazer mal à saúde

Já pequena, Fernanda Rios demostrava que a relação com os livros era prazerosa. “Chegava em casa e corria para fazer o dever. Sempre muito animada. Gostava de ler com antecedência as matérias que os professores iam passar e sempre tirava notas boas”, lembra a servidora pública de 37 anos. Ajudar os amigos com dificuldades e faltar as aulas de educação física para ficar estudando na biblioteca também eram atitudes comuns.

Ao entrar na faculdade, Fernanda sentiu-se ainda mais motivada a continuar com a rotina de estudos. “Quando fiz pedagogia na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), recebi uma bolsa de iniciação científica e, assim, tive contato com a pesquisa acadêmica, o que me incentivou a buscar novos conhecimentos ainda mais”, conta.

De vez na vida adulta, vieram novas responsabilidades, mas a relação de Fernanda com os livros não sofreu muitas mudanças. Continua sendo uma prioridade. “Estudo toda semana, normalmente de quatro a oito horas. E sempre visando atingir alguma meta: passar em um concurso, ser aprovada em uma pós-graduação ou planejar uma aula que eu vá ministrar”, detalha. “Tenho muita vontade de estudar. Conclui quatro pós-graduações e ainda quero fazer o mestrado, o doutorado e o pós-doutorado.”

Para Naim Akel, coordenador do curso de psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), realizar uma atividade com muita frequência pode trazer benefícios tanto para a saúde física quanto para a mental. O hábito, segundo o especialista, pode ser chamado de motivação. “É saudável executar atividades que liberem a dopamina; o organismo funciona melhor, o coração e o humor também”, explica.

Mas é preciso estar alerta para que essa motivação não se torne algo prejudicial. “O vício é uma necessidade incontrolável (de fazer alguma coisa que traga prazer) que acaba se tornando algo negativo. As pessoas ficam em uma situação compulsiva, não conseguem fazer outra coisa e acabam abrindo mão de responsabilidades e compromissos”, explica Akel.

Em algumas ocasiões, Fernanda confessa que trocou as horas de descanso pelo estudo; porém, ela diz que consegue perceber quando a motivação deixou de lhe fazer bem. “No concurso da Receita Federal, em 2003, acertei 86% da prova, mas não fiquei dentro das vagas do edital. Fiquei muito decepcionada comigo e preocupada, porque havia meses que eu ficava os fins de semana inteiros no cursinho e as madrugadas inteiras em cima dos livros. Não conseguia falar de outro assunto, desligar a cabeça”, relata.

André não abre mão da música: '(Ela) me ajudou no comprometimento' ( Ronaldo de Oliveira/CB/D.A Press)
André não abre mão da música: "(Ela) me ajudou no comprometimento"
Preocupada com a saúde, ela resolveu diminuir o ritmo. As decisões, diz, são sempre apoiadas pela família. “Eles já estão acostumados com essa minha vontade de aprender em excesso. Incentivam-me a estudar porque acreditam que isso me fará crescer profissionalmente e pessoalmente também.” Fernanda também tem a compreensão dos colegas. “Meus amigos me apelidaram de nerd. Acham meio esquisito esse meu gosto, mas compreendem e até me respeitam.”

Paixão por música
Gostar muito de algum hobby nem sempre é acompanhado por horas livres para se dedicar a ele. A correria do dia a dia, muitas vezes, impede a regularidade. Foi o que aconteceu com André Luiz Pádua, 58. Talvez por isso, acredita, a motivação não tenha virado compulsão. Desde criança, ele tem uma relação próxima com os instrumentos. “Meu gosto pela música veio do meu pai, sempre o vi tocando. Com 10 anos, ganhei meu primeiro violão. Desde então, nunca parei de tocar.”

Com o tempo, André teve que ir diminuindo a frequência das práticas. Na época da faculdade, passou a tocar menos. A família e o trabalho também contribuíram para a redução do ritmo. Apesar de não ter deixado os instrumentos de lado, o engenheiro mecânico não consegue praticar tanto quanto gostaria. “O ideal seria todos os dias. Mas, às vezes, você chega em casa tarde, cansado, e não dá para tocar.”

Ainda assim, André faz questão de reservar algumas horas para estudar flauta e violão na Escola de Música de Brasília. “Quero continuar tocando, me aperfeiçoando.” Como incentivo, montou um espaço dedicado ao hobby em casa. “Tenho um quarto onde toco e guardo meus instrumentos. Já estava até no projeto. É um canto para relaxar, com certeza.” A família reconhece o interesse além do comum. “Quando o assunto é música, a primeira coisa que falam é ‘chama o André, ele sabe’”, orgulha-se.

O engenheiro não acha que exagera. Para ele, que cresceu tocando violão nas rodas de amigos, a música só trouxe benefícios. “Acho que me ajudou no comprometimento, a ver as diferenças entre as pessoas. Por estar sempre tocando com os outros, você consegue perceber isso”, justifica.

Os ganhos e a paixão pelos instrumentos fazem com que ele estimule a prática entre os filhos. “O mais velho também tem essa relação com a música. Toca muito bem violão e guitarra. E eu sempre o incentivei. Não atrapalha em nada”, avalia. A filha de 5 anos segue o mesmo ritmo. “Eu também quero passar para ela esse encanto. Já vejo que se interessa, que gosta muito de cantar.”

Ação da dopamina
No cérebro existe um conjunto de estruturas que, quando ativadas sequencialmente, provocam uma sensação intensa de prazer e bem-estar. A dopamina, também chamada de hormônio do prazer, é a substância liberada durante esse processo e causa essa sensação.

Bruno começou a malhar para perder peso. Agora, estuda educação física (André Violatti/Esp. CB/D.A Press)
Bruno começou a malhar para perder peso. Agora, estuda educação física

Virou até profissão 
Há três anos, Bruno Toledo, 26, resolveu fazer algumas mudanças na rotina e acabou se motivando a fazer uma nova atividade. “Saí de um relacionamento e estava um pouco acima do peso. Percebi que ficar como eu estava não ia dar certo. Comecei a malhar, entrei de cabeça e não larguei mais”, conta.

O que no início era apenas uma maneira de manter a saúde em dia se tornou uma atividade que traz muito prazer ao universitário. “Eu não consigo mais ficar sem fazer uma atividade física. Nem que seja uma caminhada; tenho que fazer alguma coisa”, comemora. “Era bem preguiçoso; tive que mudar. Comecei a acordar cedo, a cozinhar.”

Seis dias por semana, Bruno fica uma hora na academia. Nos sábados e nos domingos, com os amigos, reserva ainda mais horas para as atividades ao ar livre. “A gente esquece o tempo. Acaba que passamos duas, três horas fazendo alguma coisa”, conta. O jovem até mudou de profissão por causa da nova paixão. Hoje, cursa educação física e é estagiário em uma academia. “Trabalhava com gestão comercial em uma empresa, mas eu saí para trabalhar nessa área.”

Coordenador do curso de psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Naim Akel ressalta os benefícios de praticar exercícios físicos com muita frequência. “Além do benefício de dar prazer, há o ganho do fortalecimento da musculatura, de trabalhar o organismo.” Mas alerta que, mesmo no caso do esporte, há riscos. “Se essa motivação fugir do controle, quando a pessoa começa a ficar cega e obcecada, a atividade pode se tornar um vício.”

Atento não só aos pontos positivos da prática de exercícios, Bruno se preocupa em controlar o tempo que gasta na academia, principalmente para respeitar o seu limite. “Existe uma regra: tem uma hora em que o corpo não aguenta e começa a trazer um efeito negativo”, diz. Ele também se organiza para cumprir todos os compromissos do dia. “Tenho que encaixar trabalho, atividade física e vida social dentro de menos de 24 horas. É complicado ajustar.”

Apesar dos cuidados, a motivação chegou a prejudicar alguns aspectos da vida pessoal. “Já me atrapalhou com alguns relacionamentos. É difícil encontrar alguém que entenda”, reconhece Bruno, que conta que também passou a evitar alguns eventos por causa das atividades físicas. “Tem algumas festas, por exemplo, que eu deixo de ir. Prefiro dormir, cuidar do meu corpo do que ir para uma balada.”

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